Transporte público: aonde chegamos e para onde vamos

24/11/2024

Transporte público: aonde chegamos e para onde vamos

É importante registrar, de partida, que o ano que se encerra foi muito importante para o setor dos transportes coletivos urbanos de passageiros, seja pelos avanços alcançados na aplicação de novas tecnologias, seja por uma nova visão sobre a importância desse serviço público – essencial, estratégico e fundamental –, principalmente, para as pessoas que moram nas cidades brasileiras. O ritmo de crescimento das cidades que estão subsidiando seus sistemas de transporte e adotando a “tarifa zero” é um bom indicador dessa mudança de entendimento e de abordagem.

 

O primeiro mês do atual governo começou com mudanças na estrutura ministerial, com a recriação do Ministério das Cidades, cuja atribuição é promover ações e programas na área da mobilidade e do desenvolvimento urbano, entre outras. Desde o primeiro momento, a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU buscou a aproximação e o diálogo com os novos dirigentes da pasta e lhes entregou, no final de junho, um documento intitulado Propostas para um Novo Programa Nacional de Mobilidade Urbana, com sugestões para a criação do programa “Bolsa Transporte” e para a realização de investimentos em infraestrutura e em renovação da frota, além de contribuições para a melhoria da gestão dos órgãos públicos e das empresas operadoras. As propostas apresentadas foram, em parte, contempladas no novo Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, programa de governo, lançado em agosto, que passou a ter uma linha de financiamento para a mobilidade urbana e que incluiu, também, recursos específicos para a renovação das frotas.

 

A nova versão do PAC, contempla investimentos da ordem de R$ 1,7 trilhão em infraestrutura e de R$ 48,8 bilhões em projetos de mobilidade urbana, dos quais R$ 33 bilhões devem ser destinados a novos projetos de transporte urbano de alta e média capacidade, incluindo uma verba específica de R$ 3 bilhões, para a substituição dos ônibus diesel que atingiram o limite da sua vida útil.

 

A NTU também deu uma importante contribuição ao debate sobre a reforma tributária ao participar, em 12 de abril, de audiência pública, organizada por representantes do Congresso Nacional, quando apresentou evidências sobre como o transporte público coletivo urbano poderia ser impactado pela mudança na legislação e defendeu um tratamento diferenciado para o setor.

 

Ao longo de todo o processo de tramitação, a NTU esteve presente com sugestões e estudos que respaldaram medidas adotadas na versão final do texto, aprovado pelo Congresso, em dia 15 de dezembro, que preservou o tratamento tributário diferenciado para o transporte público, como serviço público essencial e direito do cidadão. As medidas incluíram a isenção tributária ou mesmo a adoção de uma alíquota reduzida para o transporte público, a destinação de recursos provenientes da venda de combustíveis e a desoneração dos tributos incidentes na aquisição de bens de capital para o setor.

 

A NTU apoiou, ao longo do ano, a campanha pela continuidade da desoneração da folha de pagamento, por meio do PL 334/2023, de autoria do Senador Efraim Filho, que propugnava a manutenção desse benefício aos 17 setores econômicos que mais empregam no Brasil, entre eles o transporte público, até 31 de dezembro de 2027. Em maio, a NTU subscreveu um manifesto conjunto dos 17 setores, em favor da aprovação do projeto de lei, sendo a responsável pela divulgação do documento junto à mídia nacional das áreas de política e economia, além da mídia especializada em mobilidade urbana.

 

O PL 334/2023 foi aprovado pelo Senado no fim de outubro, mas, alegando a inconstitucionalidade da medida, o presidente Lula vetou integralmente a proposta. Em novembro, a NTU divulgou nota alertando para os impactos no custo do serviço, caso o veto à desoneração não fosse derrubado pelo Congresso, o que acabou ocorrendo no dia 14 de dezembro. A prorrogação da desoneração evita a incidência de um aumento de 6,78% no custo final do serviço, equivalente a um impacto médio de R$ 0,31 no preço da tarifa paga pelo passageiro, segundo cálculos da NTU.

 

Ao mesmo tempo em que a NTU discutia a desoneração da folha de pagamento, a Entidade continuou monitorando o andamento do Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas – PNAMI, que destina recursos federais para o financiamento da gratuidade de idosos no transporte público. O PNAMI foi aprovado pelo Senado, em 2022, e aguarda votação na Câmara Federal do PL 4392/2021, que estabelece um limite de até R$ 5 bilhões anuais, por um período de três anos, para a assistência financeira da União aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Na segunda semana de agosto, foi realizada a 36ª edição do Seminário Nacional NTU, que teve como tema “Um Novo Marco para o Transporte Público Urbano de Passageiros”. O evento contou com 30 expositores e 854 participantes presenciais, que lotaram o auditório do Hotel Royal Tulip de Brasília. Houve, ainda, a participação de outros 1.300 participantes, que acompanharam a transmissão do evento, “on-line”, pelo canal do YouTube da NTU. O presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, fez importante pronunciamento na abertura do evento e defendeu, de forma intransigente, a aprovação do novo marco legal para o transporte público.

 

O Ministério das Cidades apresentou, em setembro, ao Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, a minuta final do projeto de lei do Marco Legal do Transporte Público Coletivo Urbano, em elaboração no âmbito do Poder Executivo. A proposta já havia passado por extensa consulta pública, no início do ano, que contou com a participação ativa da NTU. A Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana – SEMOB recebeu cerca de 870 contribuições, provenientes de todo o país, das quais 60 sugestões de aprimoramento foram feitas pela NTU. A proposta do Executivo se soma à proposta do Legislativo, que tramita no Senado (PL 3278/2021). O novo Marco Legal cria novas regras e reorganiza o serviço, além de estabelecer a separação tarifária – tarifa técnica e tarifa pública – que abre espaço para a adoção de subsídios públicos e a manutenção da modicidade tarifária, sem comprometer a qualidade do serviço.

 

Outro tema que mereceu especial atenção da NTU foi a proposta de criação do Sistema Único de Mobilidade — SUM, também denominado o “SUS do transporte público”. A proposta formulada pelo Instituto MDT (Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte), há alguns anos, foi detalhada em documento lançado em um painel temático que debateu o assunto no Seminário Arena ANTP, realizado em outubro. A NTU avalia que o SUM complementa a proposta do Marco Legal, em discussão. A iniciativa está contemplada na PEC 25/2023, de autoria da deputada Luiza Erundina, que se encontra, atualmente, em análise no Congresso Nacional.

 

No penúltimo dia do ano passado, o Governo Federal publicou uma Medida Provisória (MP 1.205/2023), que institui o Programa MOVER (Mobilidade Verde e Inovação) que visa apoiar a descarbonização dos veículos brasileiros, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global. Em síntese, a norma dá incentivos fiscais para empresas do ramo automotivo que investem em sustentabilidade e prevê novas obrigações à indústria para diminuir impactos ambientais.

 

 

Para o ano que se inicia, a NTU deverá concentrar sua atenção na regulamentação da reforma tributária, uma vez que vários pontos de interesse do setor estão pendentes de legislação complementar. Dentre os itens a serem acompanhados, destacam-se a definição da alíquota-base dos novos impostos, que incidirão com desconto de 60% sobre os serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviários (inciso VII, do §1º, do artigo 9º da EC 132/2023) ou a isenção do Imposto sobre Bens e Serviços — IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços — CBS, sobre esses mesmos serviços (inciso I, do § 3º, do artigo 9º); a tributação diferenciada dos combustíveis (inciso I, do § 6º, do artigo 156-A); as regras para a desoneração de bens de capital (inciso V, do § 5º, do artigo 156-A), que impactam na renovação das frotas; e a destinação da “CIDE Combustíveis” (item d, do inciso II, do § 4º, do artigo 177), para subsidiar o custo da prestação dos serviços. A regulamentação, por meio da legislação complementar, é um passo fundamental para a efetivação das mudanças estabelecidas na nova Emenda Constitucional.

 

O Marco Legal do Transporte, por sua vez, deverá estabelecer um novo conjunto de normas, diretrizes e leis para regular e regulamentar a prestação desse serviço de utilidade pública, por delegação, pelas empresas da iniciativa privada. Como resultado, poder concedente e empresas operadoras poderão mitigar a insegurança jurídica dos contratos – atuais e futuros –, evitar o desiquilíbrio entre obrigações e responsabilidades das partes, assegurar justa e adequada remuneração dos serviços, permitir tarifas módicas aos passageiros e proporcionar, na medida do possível, uma melhoria na qualidade dos serviços prestados à população.

 

Os projetos de substituição dos ônibus diesel por veículos menos poluentes continuarão sendo acompanhados pela NTU, seja pelos aspectos tecnológicos envolvidos, seja pela adoção de novos modelos de negócio, seja pelas questões relacionadas ao financiamento dos projetos, tanto para a aquisição dos novos veículos, como para a cobertura dos custos operacionais da nova frota.

 

Além disso, a desoneração da folha de pagamento, o PNAMI e o SUM são projetos de grande interesse para o setor. Há a expectativa de que as propostas apresentadas até o momento sobre esses temas de alta relevância sejam apreciadas e avancem no sentido de sua aprovação pelo Congresso, criando as bases para a reorganização estrutural, bem como para o fortalecimento e melhoria da qualidade do transporte público brasileiro.

 

Todas as mudanças que já estão ocorrendo nos sistemas de transportes urbanos de passageiros ainda carecem de uma sustentação jurídico-legal mais consistente e permanente. Em muitos casos, os novos processos licitatórios ou mesmo os contratos de concessão existentes não estabelecem, entre outros pontos, a adequação do objeto às necessidades de ajustes de escopo na prestação dos serviços, não garantem o reequilíbrio econômico-financeiro das operações e não preveem a revisão periódica dos procedimentos operacionais. Além disso, não definem os parâmetros para aferir a qualidade dos serviços prestados, não contém uma matriz de risco e não contemplam nenhum processo de resolução de controvérsias, tais como regras de conciliação, mediação, comitê de prevenção e resolução de disputa e arbitragem.

 

Finalmente, vale mencionar que nas eleições municipais, o transporte público será um dos temas de destaque nos debates e nas propostas eleitorais, possivelmente com foco na questão do financiamento (subsídios aos passageiros e tarifa zero) e na descarbonização da frota, a julgar pelas preocupações do eleitorado e manifestações de potenciais candidatos ao próximo pleito. Mais uma vez, a NTU deverá desempenhar um papel importante no processo eleitoral, produzindo documentos e informações que possam orientar os candidatos, independentemente de sua filiação partidária, na elaboração de seus programas de governo municipal.

 

(*) Francisco Christovam é Diretor Executivo (CEO) da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, Vice-Presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP e da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, bem como membro do Conselho Diretor da Confederação Nacional do Transporte – CNT.

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