Novo Marco Legal

Novo Marco Legal do transporte público vai reestruturar e melhorar o serviço

Novo Marco Legal do transporte público vai reestruturar e melhorar o serviço

Setor está unido em torno de proposta, que deve ser apresentada no Congresso Nacional

Com prejuízo de R$ 14,2 bilhões, acumulado desde o início da pandemia, o setor de transporte público trabalha na criação de um novo marco legal para esse serviço essencial, em busca de soluções definitivas para reduzir a tarifa, aumentar a qualidade e produtividade, e garantir segurança jurídica aos contratos de concessão. “Trata-se de uma reforma estrutural profunda, de longo prazo”, adianta Otávio Cunha, presidente-executivo da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), e antecipa que a proposta deve ser apresentada em breve no Congresso Nacional. “O transporte público urbano enfrenta grave crise em todo o país, mas a reestruturação desse serviço vai trazer soluções para problemas históricos e recorrentes do setor”, afirma o presidente.

De acordo com Otávio Cunha, o marco legal é uma aposta em solução definitiva para a sustentabilidade do transporte público urbano. “É uma proposta multimodal, para ônibus urbano, metrô e trem, que representa uma ruptura com relação ao modelo atual e oferece transparência, tarifa módica, serviço de qualidade para o passageiro e segurança jurídica para quem opera”, esclarece. 

O programa de reestruturação do transporte público foi construído pela NTU, em conjunto com diversos agentes do setor e consiste de três pilares – qualidade e produtividade, financiamento, e regulação e contratos. 

Segundo Otávio Cunha, o setor quer ampliar o debate sobre a proposta o máximo possível. “Temos que construir um entendimento mais amplo para que esse projeto possa tramitar no Congresso. Além disso, queremos que esteja  alinhado com o objetivo maior de oferecer transporte de qualidade para o cidadão. Nesse sentido, precisamos sensibilizar a sociedade de maneira geral”, afirma o presidente da NTU.

FETPESP – São Paulo – Estado

Mauro Artur Herszkowicz, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP, considera importante a mobilização do setor na defesa da reestruturação do transporte público por ônibus, por meio de um Marco Regulatório, já que as empresas vêm enfrentando vários desafios antes mesmo do início da pandemia, em 2020.

As operadoras urbanas, metropolitanas e rodoviárias amargaram, no ano passado, uma brusca queda da demanda que atingiu, em muitas localidades, 80% do total de passageiros transportados em 2019, mantendo a quase totalidade de seus veículos em circulação, o que resultou em grave desequilíbrio financeiro, já que em boa parte dos municípios o modelo de remuneração do serviço é pautado pela demanda e não pelo serviço prestado efetivamente.

De acordo com os oito Sindicatos associados ao FETPESP, mesmo em meses com alta queda de demanda, os serviços foram mantidos com frequência e regularidade. Investimentos foram feitos em manutenção, em treinamentos de motoristas, além da absorção de novos custos advindos das desinfecções dos veículos com modernos produtos homologados pela Anvisa para dar segurança aos passageiros. E tudo isso atrelado ao elevado aumento do óleo diesel, que soma quase 40%, nesse primeiro semestre de 2021.

A falta de uma política pública clara, direcionada pelo Governo Federal ao transporte público, e a complexidade da gestão operacional pelos Estados e Municípios levarão o sistema a um  colapso  se nada for feito imediatamente. A criação de um Marco Regulatório para o setor de transporte de passageiros é fundamental para evitar, de acordo com Herszkowicz, a inviabilidade desse serviço.

É fato que o transporte público precisa ser melhorado, mas as empresas não serão capazes de fazer este desenvolvimento sozinhas e sem as mudanças necessárias para a reestruturação do setor que, por sua vez, corre o risco de ter empresas sérias e idôneas, que empregam milhares de pessoas, falindo e de ver o sistema público de transporte sendo operado por aventureiros, empresas clandestinas e irregulares.

SPURBANUSS – São Paulo – Capital

Para Francisco Christovam, assessor especial do SPUrbanuss – Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo, o novo cenário imposto pela pandemia exige uma tomada de decisões pelas autoridades constituídas, pelos órgãos gestores e pelas próprias empresas operadoras. Por isso, a proposta de um Marco Regulatório que irá à discussão no congresso nacional deverá, entre outras definições, estabelecer a diferenciação entre a tarifa de remuneração e a tarifa pública ou de utilização.

Esse modelo, segundo Christovam, adotado na cidade de São Paulo desde os anos 90, quando ocorreu a chamada “municipalização dos transportes”, permitiu que a administração pública pudesse administrar, de maneira competente, o enorme desequilíbrio entre a demanda e a oferta de passageiros, que ocorreu no período da pandemia.  Daí a necessidade de se discutir, no Marco Regulatório, a criação de receitas extra tarifárias que possam cobrir a diferença entre o custo da prestação dos serviços de transporte de passageiros e a capacidade de pagamento dos usuários, bem como a gestão das gratuidades e a concessão de subsídio, quando e se necessário.

Reestruturação

A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana já declararam apoio ao programa de reestruturação do transporte público, que está aberto a contribuições de outras entidades para chegar amadurecido ao Congresso Nacional. No primeiro momento, o setor pretende aprovar o arcabouço legal do programa que deve se transformar em lei federal. A partir daí, será necessário promover a readequação das legislações municipais e estaduais que regulamentam essa atividade para que sejam ajustadas às novas regras.

No pilar de qualidade e produtividade, o programa propõe maior participação do Governo Federal e compromisso com a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Na proposta, o setor reservou ao poder público federal várias responsabilidades no papel de indutor  e guardião desse política de mobilidade. Entre outas questões, essa participação implica na gestão de um sistema nacional de informações sobre o setor para permitir o exercício da política. 

Ainda nesse pilar a proposta inclui mais comunicação e maior transparência do setor, que há décadas sofre com a imagem negativa que a sociedade tem desse serviço. O setor propõe também que o Governo Federal defina parâmetros nacionais de eficiência e qualidade como referência para estados e munícípios; dessa forma, os sistemas poderão avançar como um todo.

O segundo pilar, de financiamento, foi dividido entre custeio e investimentos. O ponto central da proposta de custeio é a diferenciação entre a tarifa pública e a tarifa de remuneração do operador, que resolveria o principal entrave para a oferta de um serviço de qualidade. Na maior parte das cidades, o transporte público é custeado unicamente pela tarifa paga pelo passageiro, que arca sozinho com os altos custos do serviço. De acordo com a NTU, um ponto fundamental para equilibrar as tarifas pública e de remuneração é atacar a questão das gratuidades, que pesam em torno de 20% na média nacional dos custos dos sistemas.

Um tratamento tributário diferenciado, que o setor já pleiteia na Reforma Tributária, é outro ponto do pilar de finaciamento. Segundo a NTU, o tratamento diferenciado pode representar 15% na redução de custos dos serviços. Para estruturar o custeio o setor propõe a criação de um fundo do transporte público urbano que reuniria aportes das três esferas de governo, além de fontes extratarifárias de recursos, de forma que esses aportes possam fluir dentro de uma estrutura que chegue aos serviços de transporte. 

A área dos investimentos foi dividida em duas grandes frentes, sendo a primeira o reforço e a continuidade das linhas de financiamento oficiais existentes hoje no BNDES (Finame), assim como o Pró-Transporte, operado com recursos do FGTS pela CEF, para investimentos em veículos e tecnologia. Paralelamente, ampliar os incentivos na priorização do transporte público coletivo e no sistema viário, por meio de investimentos em infraestrutura, principalmente para os serviços de ônibus. Em contrapartida, o setor privado poderá investir em parcerias público-privadas (PPPs), nas quais já existem experiências bem-sucedidas.

O terceiro e último pilar do novo marco legal do transporte público recai sobre a regulação e os contratos de concessão. Aqui, o setor propõe alterações na Lei de Mobilidade Urbana, com a criação de um capítulo específico sobre transporte público coletivo que traga avanços nessa área. A ideia é acompanhar o que foi feito no marco do saneamento, recentemente aprovado pelo Congresso, e implantar referências nacionais sobre regulação e contratos para transporte público. 

Um ponto central dessa parte de regulação dos contratos é um novo modelo de remuneração dos operadores, baseado nos custos de produção atrelados à parâmetros de qualidade e produtividade. O setor acredita que hoje, com a evolução tecnológica, os gestores podem ter todos os meios necessários para que as empresas possam ser remuneradas pelo custo com um controle eficiente por parte do poder público. “Esse aspecto é fundamental para introduzirmos a questão da transparência e do controle público nos contratos, e assim poderemos realmente dar uma resposta à sociedade e contribuir para chegarmos a um novo patamar do transporte público no Brasil”, afirma Otávio Cunha.

Cenário nacional

Nos últimos 14 meses, a crise do transporte público urbano, em números, equivale a um prejuízo de R$ 14,24 bilhões para o setor. Segundo o monitoramento realizado pela NTU nesse período, o impacto da pandemia afetou severamente a interrupção da prestação dos serviços de 25 operadoras e 1 consórcio operacional, além de provocar a demissão de 76.757 trabalhadores. 

Além disso, os dados reunidos pela Associação sobre os efeitos da pandemia nesse período revelam que 88 sistemas de transporte público por ônibus em todo o país foram atingidos por 238 movimentos grevistas, protestos e/ou manifestações, que ocasionaram a interrupção da oferta de serviços em várias cidades, na maioria dos casos, provocados pela falta de caixa nas empresas para honrar salários e benefícios aos 

colaboradores, diante do desequilíbrio econômico-financeiro causado pela drástica queda na demanda de passageiros. 

Quanto à suspensão da prestação do serviço, a pandemia também deixou um grave saldo negativo. No período avaliado, 13 operadoras e 1 consórcio suspenderam as atividades;  duas operadoras, 1 consórcio operacional e 1 sistema BRT (do Rio de Janeiro) sofreram intervenção na operação; cinco operadoras encerraram as atividades; e quatro tiveram seus contratos suspensos.