“Transporte ilegal” gera prejuízos de R$ 200 milhões ao Estado de São Paulo, diz inventário de sindicato de empresas de ônibus

Setpesp inclui no levantamento a atuação de aplicativos de ônibus que, segundo a entidade, hoje respondem por 60% do transporte “não autorizado” em concorrência com as linhas regulares. Sindicato vê risco de “desaparecimento” do sistema regular em cinco anos. Em nota, Buser contesta.

ADAMO BAZANI

Os ônibus e vans que “competem” com as linhas regulares dentro do Estado de São Paulo causam um prejuízo anual de aproximadamente R$ 200 milhões aos cofres públicos pela não arrecadação de impostos, como o ICMS, e taxas como as de fiscalização da Artesp, a agência que regula o setor em São Paulo.

O dado faz parte de um inventário inédito realizado pelo Setpesp – Sindicato das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo, que reúne as companhias que fazem as linhas rodoviárias intermunicipais e suburbanas.

Ainda de acordo com o levantamento, o transporte não autorizado para atuar como regular é responsável pelo deslocamento de aproximadamente 680 mil passageiros em 80 mil viagens por ano somente dentro do Estado de São Paulo, levando em conta uma estimativa de taxa de ocupação de 80% de cada veículo em média.

Além de ônibus de “sacoleiros” e das viagens que saem de locais de embarque clandestinos em velhos veículos, a entidade considerou como transporte ilegal a atuação de ônibus de fretamento contratados por meio de aplicativos e que fazem trajetos semelhantes às linhas regulares e em circuito aberto, ou seja, os passageiros que vão num sentido a viagem não são necessariamente os mesmos que voltam na mesma contratação.

Em entrevista ao Diário do Transporte na noite desta segunda-feira, 26 de outubro de 2020, o presidente do sindicato, Gentil Zanovello, disse que a modalidade de aplicativo representou 60% de todo o volume apurado do que o inventário classificou como transporte ilegal.

De acordo com o executivo, o inventário mostrou que o aplicativo de ônibus tem como característica atuar em poucas cidades e somente onde há muita procura, ou seja, apenas nos trajetos de grande demanda, onde há lucro.

“Estes aplicativos, estão presentes no momento em 51 cidades do Estado de São Paulo, não por acaso nas principais cidades, o que nos mostra que temos mais de 590 cidades que são ignoradas pelos aplicativos muito provavelmente porque são cidades onde a demanda não é muito interessante, mas em cada uma delas existe ao menos uma linha de transporte irregular” – disse.

As 51 cidades cobertas pelos aplicativos, segundo o levantamento, reúnem em torno de 80% da população do Estado de São Paulo.

Entre os trajetos de maior procura dos aplicativos estão São Paulo – Ribeirão Preto; São Paulo – São José dos Campos; São Paulo – Campinas e São Paulo – Sorocaba.

SISTEMA REGULAR PODE “DESAPARECER” EM CINCO ANOS:

Gentil Zanovello disse que um dos problemas da atuação dos aplicativos como ocorre hoje é que as linhas regulares de maior demanda financiam as linhas de interesse social que não dão lucro. Ao atacar estas linhas de retorno financeiro, há uma desestabilização nesta lógica de financiamento cruzado às linhas que têm baixa demanda, mas precisam continuar existindo por interesse social.

O presidente do sindicato das viações ainda disse que se as viagens de aplicativos continuarem crescendo nas proporções atuais, em cinco anos o sistema regular de ônibus pode desaparecer.

 “A ilegalidade cometida pelo aplicativo é a que mais cresce e, portanto, a que mais preocupa, sem dúvida o sistema em mais cinco anos deixa de existir, nós não teremos mais um sistema público de transporte no Estado de São Paulo. Eu posso afirmar isso com toda a segurança” – afirmou

IMPOSTOS:

Segundo Zanovello, a perda de arrecadação do estado com os aplicativos não ocorre pela sonegação em si, mas pelo modelo de tributação sobre estas empresas que, segundo o executivo, apesar de atuarem com transporte, se classificam como empresas de tecnologia e com isso automaticamente são isentas de impostos que as viações regulares precisam recolher, como o ICMS.

“O aplicativo se define como empresa de tecnologia, então ele recolhe o ISS sobre o trabalho que ele desenvolve, ele fala que não faz transporte de passageiros e sequer tem inscrição estadual. Simplesmente não se considera uma empresa de transporte e recolhe o ISS na cidade de São Paulo onde tem a matriz” – disse Zanovello, ao complementar que somente a companhia de fretamento deve emitir uma nota fiscal para a empresa do aplicativo.

JOGO DESIGUAL:

Com tudo isso, segundo o Setpesp, há um desequilíbrio no mercado que traz desvantagens às empresas regulares com uma série de obrigações que possuem e que os aplicativos não têm.

– As empresas regulares devem recolher ICMS sobre as passagens; os aplicativos não precisam.

– As empresas regulares devem pagar taxas de fiscalização, como da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres e a Artesp em São Paulo; os aplicativos não precisam.

– As empresas regulares devem pagar taxas de embarque nas rodoviárias regulares; os aplicativos não precisam e muitas vezes embarcam e desembarcam em vias públicas.

– As empresas regulares devem oferecer gratuidades como para idosos, jovens de baixa renda e pessoas com deficiência que não são subsidiadas pelo poder público; os aplicativos não precisam e não transportam ninguém de graça.

– As empresas de ônibus regulares devem cumprir horários, viagens e itinerários mesmo se tiverem um passageiro só em todo o trajeto; os aplicativos não precisam e só partem com uma ocupação mínima.

– As empresas de ônibus regulares devem ter compromissos trabalhistas com motoristas, mecânicos, fiscais e pessoal do administrativo; os aplicativos não precisam e só partem com uma ocupação mínima.

 

METODOLOGIA

O trabalho foi apresentado na última semana à Artesp.

Para chegar aos dados, o sindicato criou um link exclusivo para as empresas associadas.

Cada empresa ao identificar o transporte considerado ilegal em sua área de atuação “abasteceu” este link com dados como nome da operadora não regular, horários, destinos, dias da semana e a frequência das viagens.

Para cada uma destas informações foi feita uma denúncia à Artesp.

O levantamento ocorreu entre os dias 20 de setembro e 10 de outubro e nunca foi feito pelas empresas desta forma.

Segundo o Setpesp, mais de 80 profissionais participaram da elaboração do inventário.

 

O QUE DIZ A BUSER:

A principal empresa de aplicativo de ônibus é a Buser, que contestou a alegação que atua de forma ilegal. A Buser também contesta que só atua em áreas de alta demanda.

Nota da Buser sobre pesquisa do Setpesp

A Buser e suas parceiras são regularmente inscritas nos órgãos de fiscalização e cumprem as normas legais de funcionamento, portanto não são clandestinas. Nosso sistema, inclusive, amplia o recolhimento de impostos porque as empresas que oferecem seus serviços por meio de nossa plataforma pagam ICMS, como fazem as empresas antigas da rodoviária, e, depois disso, a própria Buser recolhe ISS sobre a mesma operação, o que não ocorre com as empresas convencionais. Todas as viagens têm emissão de nota fiscal.

A alegação de que a Buser opera somente nas melhores rotas é falsa, uma vez que não existe subsídio cruzado no transporte rodoviário, que faria uma rota boa pagar por outra considerada ruim. Os grandes grupos que dominam há décadas o setor de transportes nunca publicaram planilhas contábeis demonstrando a inviabilidade das rotas. Causa estranheza ver empresários pedindo ao governo que os obrigue a prestar serviços que lhes causam prejuízos.

Com apenas dois anos de operação, a Buser luta contra interesses estranhos e entraves colocados até mesmo por órgãos públicos para poder ampliar sua participação no mercado e, assim, oferecer serviços melhores, mais seguros e muito mais baratos do que os praticados pelos operadores antigos. Apesar disso, a Buser tem sido uma opção de melhor qualidade para o viajante e uma oportunidade de lucro para centenas de pequenos empreendedores.

Temos certeza de que se o interesse verdadeiro fosse atender bem aos viajantes, todas as empresas do setor antigo adotariam as mesmas medidas de segurança que fazem da startup uma referência de qualidade entre os consumidores.

Buser Brasil

 

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes

Fonte: Diário do Transporte